Música das Américas: entrevista com Fabricio Mattos e Lucas Jordan

Oct 09, 2018 Comments Off on Música das Américas: entrevista com Fabricio Mattos e Lucas Jordan by

 

No dia 12 de Outubro os músicos Fabricio Mattos e Lucas Jordan apresentam o concerto Música das Américas, na October Gallery às 19h30. O evento é produzido pela charity inglesa Poliphonia, dirigida por Clelia Iruzun, cujo principal intuito é promover a música produzida nas Américas no Reino Unido. Ventana Latina entrevistou os músicos que contaram um pouco das suas trajetórias artísticas e de formação e sobre a escolha do repertório para o concerto. Confira o perfil dos músicos e a entrevista a seguir.

Perfil dos músicos

Fabricio Mattos:  Nascido em Curitiba, iniciou sua carreira musical tocando em bailes de carnaval com o seu pai passando por uma infinidade de instrumentos como flauta, percussão e violino, dedicando-se exclusivamente ao violão a partir dos 13 anos. Seu vasto repertório e formação musical, somada à tradição violonística brasileira, lhe deu uma cultura sobre violão popular eclética e variada. Formou-se em violão clássico na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, no Brasil. Em 2009, participou da turnê Sonora Brasil, na qual se apresentou em 87 cidades de todo o Brasil. Mudou-se em 2008 para a Inglaterra para dar continuidade a sua formação na Royal Academy of Music, onde realizou o mestrado e agora é aluno do programa de doutorado da mesma universidade, onde estuda a história e a estética dos espaços de performances e sua influência na dinâmica entre performers e público. Apresentou-se como concertista em diversos países e escolheu viver em Londres por ver nesta cidade esse micro-cosmo de possibilidades e oportunidades.

Lucas Jordan: Nasceu em São Paulo, e cresceu no Brasil, Estados Unidos e Suíça. Durante sua infância tocou violino, berimbau, violão e flauta, decidindo-se pela flauta aos 13 anos de idade. Devido às trocas de país, língua e cultura, sua relação com a música desenvolveu-se como se esta fosse uma outra língua. Devido a isso, interessou-se por composição o que lhe possibilitou explorar a música em todas as suas vertentes: performance, improvisação e composição, sempre preocupando-se em dissolver as barreiras entre as diversas disciplinas e entre o artista e seu público. Realizou sua formação como flautista e compositor na Zürcher Hochschule der Künste, na Suíça. Mudou-se para Londres em 2011, onde continuou seus estudos na Royal Academy of Music. Como flautista se apresenta regularmente pela Europa e pelas Americas e suas composições são tocada em distintas partes do mundo. Recentemente completou seu primeiro trabalho de trilha sonora para o documentário One Girl. Atualmente ele vive entre Londres e Zurique.

Entrevista 

Ventana Latina: Qual é a proposta do concerto? De onde surgiu a ideia para o repertório? Quando vocês começaram a trabalhar juntos?

Lucas: Tudo começou com um e-mail. A gente se conheceu na Royal Academy of Music em 2012, quando o Fabrício tinha acabado de voltar à universidade e então mandou um e-mail para todos os flautistas procurando por um que pudesse tocar com ele. Pelo nome imaginei que ele fosse brasileiro e  lhe respondi na esperança de que pudessemos, eventualmente, tocar alguns choros juntos.

Fabricio: E como resultado desse e-mail produzimos dois concertos de música brasileira na Academy realizados no mesmo dia. O que foi considerado histórico para a universidade. Principalmente porque os dois estavam lotados, apesar de que tivermos que lutar bastante para conseguir faze-los. O primeiro foi de música contemporânea brasileira e o segundo foi só com choro. Depois disso começamos a tocar com uma amiga nossa e poeta inglesa chamada Audrey Ardern-Jones. Fizemos alguns concertos com ela, em sua maioria temáticos, sempre unindo música e poesia.

Lucas: Além disso começamos a criar um vasto repertório de peças com arranjos de violão e flauta e projetos que desafiam a tradição de concerto.

Ventana Latina: Para o concerto do próximo dia 12 de outubro. Como vocês decidiram o repertório?

Lucas: Esse repertório é uma mistura de refers que se encontraram. Havia a proposta da  fundação Poliphonia, que tem como propósito promover música das Américas. A gente achou muito interessante a proposta e começamos a pesquisar algumas peças. Além disso, havia a nossa pesquisa sobre o Tango e o Piazzolla que desenvolvíamos conjuntamente já há algum tempo. Resolvemos juntar num mesmo repertório peças do Astor Piazzolla, do compositor brasileiro Mario Ferraro, de quem gostamos muito e admiramos o trabalho, e pensamos em ir, por que não, até o Norte da América.

Fabricio: Exato, queríamos há tempo fazer um concerto em que explorassemos a música das Américas, ALÉM do tango que já é um gênero bem conhecido e tipo como canônico na Europa. Com isso, além de Piazzolla, pensamos num repertório no qual fazem parte Mario Ferraro, representando a América do Sul, Leo Brouwer representando a Central e Lowell Liebermann representando a América do Norte. Assim conseguimos chegar a um programa para o concerto, que em certo aspecto é um programa muito pesado, tanto para o público quanto para o músico, mas também de uma qualidade musical fantástica. O repertório completo é composto inteiramente por músicas das Américas e obras originais para flauta e violão, o que nos alegra muito.

Ventana Latina: Existe alguma diferença ao trabalhar esse conceito Músicas das Américas, tocando fora da América, mais específicamente no Reino Unido?

Fabricio: Apesar do repertório estar centrado em Músicas das Américas, o único quem tem um repertório mais centrado no regionalismo e é mais idiomático é Piazzolla. No caso do Mario Ferraro, Leo Brouwer e Lowell Liebermann, eles já têm um estilo considerado mais globalizado, apesar de terem muitas influências da música de seus países de origem. Piazzolla, por mais que seja muito tocado e muito reconhecido, alguns de seus idiomatismos ainda soam muito inovadores aqui no Reino Unido. Eu acho que por mais que o Piazzolla seja o compositor mais conhecido do programa, serão as suas obras as que gerarão mais surpresa ao público.

Lucas: É um artista extremamente reconhecido. Muita gente, seja conscientemente ou não, já escutou algum movimento do Piazzolla na vida. E eles talvez se surpreendam com o repertório que estamos trazendo, já que não se tratam de obras tão conhecidas. Já as obras do Ferraro e Brouwer , são muito mais recentes. Foram compostas em 2008 e 2009, por exemplo.

Fabricio: A do Ferraro, fui eu que toquei a sua estréia, na Academy. Chama-se “Quintal” e a ideia dele foi explorar essa dimensão entre o caos e o tradicionalismo da música brasileira, que se assemelha um pouco a essa imagem de um quintal no Brasil, que é ao mesmo tempo familiar e informal, mas também conserva algo também do que é íntimo e único na cultura brasileira, como alguns ritmos, como o baião e o choro. Já o Brouwer, tem um conceito muito centrado nas histórias lendárias associadas aos rios da América Latina. Tem um conceito de mitologia chamado Mitologia de las Aguas. O primeiro movimento, por exemplo, faz menção ao nascimento do Amazonas, o quarto movimento aos duendes lendários de Cuba e a outros rios da América do Sul. Em sua obra os títulos são muito imaginativos e estimulam o público a pensar nesses conceitos também através deles.

Lucas: Dentre as obras que tocaremos é a que mais segue uma linguagem contemporânea. Tem umas influências latino-americanas mais populares, mas é tudo passado pelo filtro da linguagem mais européia do século 21.

Ventana Latina: Quando vocês idealizaram o concerto vocês pensaram em alguma narrativa a ser construída através desse repertório?

Fabricio: Eu não diria uma narrativa fechada, mas há uma ideia de explorar conceitos das Américas, tanto no sentido histórico quanto lendário que a gente conhece. Por exemplo, o estilo do Liebermann, é bastante minimalista e mais etéreo.

Lucas: A música dele não tem um título muito evocativo, chama-se simplesmente Sonata, mas os seus dois movimentos são muito imagéticos. O primeiro com suas melodias extensas lembra as paisagens sem fim dos Estados Unidos, paisagens como o Grand Canyon; o segundo é cheio de energia relembrando intensidade da vida nas metrópoles do país.

Fabricio: O Brouwer possui esse universo das lendas, enquanto o Ferraro já tem um pé na tradição da música contemporânea e o Piazzolla com todo um sabor e texturas das música do sul da América do Sul.

Ventana Latina: É interessante pensar na própria tragetória do Tango. Contemporaneamente ele foi tomado como uma expressão artística elitizada e vinculada à música de concerto, mas a sua origem é bastante popular.

Fabricio: Sim. E é interessante que a formação original do Tango era de violão e flauta, isso lá no século XIX. Nessa obra composta pelo Piazzolla o primeiro movimento chama-se “Bordel 1900”, e é uma composição bastante teatral. O segundo movimento chama-se “Café 1930”, e retrata esse segundo momento do tango quando ele deixa de ser uma música para ser dançada e passa a ser uma música para ser ouvida. O terceiro movimento é “Nightclub 1960”, w refere-se a quando o Tango começa a ser influenciado por estilos como o jazz. E o último movimento “Concerto 1990”, composto em 1986, retrata como ele imaginava que sería o Tango, a cidade de Buenos Aires e a vida moderna.

Ventana Latina: Tem um certo didatismo nessas composições do Piazzolla em relação à história do Tango. Vocês também se veem nesse papel um tanto quanto didático para com o público quando organizam um repretório como esse?

Lucas: O que tentamos fazer em nossos concertos é apresentar a música trazendo ao público parte de seu contexto também. E em muitos casos, principalmente quando se trata de um repertório bastante contemporâneo, isso lhes ajuda a criar alguma relação mais direta com a música. Quando preparamos as peças para tocar, terminamos por mergulhar bem fundo em sua origem e contexto Ao apresentar ao público parte desse trabalho de preparação do concerto, tentamos usar essas descobertas para criar um espaço mental para o público fora de seu cotidiano, onde acreditamos aproximarmos o público ao repertório escolhido para o concerto.

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